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Problema de nível

Leio no jornal local a triste notícia das enchentes do Nordeste: “Nível do rio Mundaú (AL) volta a subir”. O emprego perfeito da palavra nível levou meu pensamento a outras expressões e a uma recente pergunta sobre a preposição a ser usada com esse nome. Deve-se dizer ao nível, não é? Sim, se a preposição a ser usada for o a, mas pode ser outra qualquer, como nos exemplos:
a1 A água da represa estava no nível mais alto já registrado, quando esta ruiu.
a2 O Brasil se encontra no nível de risco mais baixo de todos os tempos, segundo a Agência X, de classificação de riscos.
a3 Ao nível do mar ou no nível do mar, a pressão atmosférica é menor.
a4 O avião voa em nível de cruzeiro ou ao nível de cruzeiro.
Mas o problema do emprego de nível não está na escolha da preposição ou combinação que o torna adjunto adverbial. O problema está no significado com que a palavra é empregada. Nível designa um plano em relação a outros mais altos ou mais baixos ou, metaforicamente, uma situação hierarquicamente superior ou inferior a outra. Só isso: se o falante puder usar os atributos baixo, alto ou igual, então poderá usar nível.
Portanto, dizer:
b1 Ao nível de Brasil, o salário mínimo está elevado.
está tão errado quanto dizer-se:
b2 A nível de Brasil, o salário mínimo está elevado.
Nessas frases, nível não está empregado com seu significado próprio. Nelas, não há escalonamento nem hierarquia não só porque o Brasil figura como único elemento citado mas também porque não cabe uma hierarquização de países: que outro país – objetivamente falando - seria mais baixo ou mais elevado do que o Brasil? Assim, se não há estágios mais altos e mais baixos a serem comparados, não se usa nível. Diríamos:
b3 No Brasil, o salário mínimo está elevado.
Mesmo que comparássemos países, seria difícil propor que se hierarquizem. Diríamos, então:
c1 Nos Estados Unidos, o salário mínimo é de US$ 1,000.00, enquanto no Brasil é de pouco mais de US$ 200.00.
Embora encontre exemplos, tenho dificuldade de reconhecer uma gradação de nível nas afirmações das seguintes frases:
d1 Ao nível pessoal, sou a favor da descriminalização, mas respeito a maioria.
(As pessoas se graduam em níveis? Faz sentido dizer que 1 pessoa está em nível mais baixo do que 2 pessoas ou do que a coletividade?)
e1 O compositor ganhou fama ao nível internacional.
(Internacional é mais elevado ou hierarquicamente superior a binacional, multinacional, nacional?)
Assim, só para coisas ou conceitos escalonáveis ou hierarquizáveis se pode usar ao nível de, no nível de, com nível de, sob o nível de, e assim por diante.
Note-se, porém, que, mesmo que se trate de hierarquias, não é obrigatório o uso dessa palavra para mencionar um ou mais de seus graus:
f1 A língua será ministrada como atividades até o nível da 4ª série do ensino fundamental.
f2 A língua será ministrada como atividades até a 4ª série do ensino fundamental.
g1 No nível municipal, não devem prevalecer as alianças nacionais.
(A organização do Estado brasileiro obedece a uma hierarquia, cujo nível mais baixo é o município e que, passando pela região metropolitana e o estado, atinge o ápice na federação.)
g2 Nos municípios, não devem prevalecer as alianças nacionais.
Assim, não tenhamos dúvida quanto ao emprego de nível:
1o a expressão será sempre ao nível do ou de;
2o a expressão ao nível de X pode ser empregada se pudermos caracterizar X como alto ou baixo, pois nível deriva do latim libra, balança ou instrumento de medida de líquidos.


Só dá Brasil

É a frase que a torcida brasileira gostaria de gritar nestes dias de Copa do Mundo como expressão dos jogos da nossa seleção de futebol. A pátria ainda continua de chuteiras, como celebrou Nelson Rodrigues, nos anos 60 do século passado.
Mas o futebol ganhou novos atores, e o Brasil não pontifica soberano nos gramados do planeta. No 2 de Julho, dia da independência da Bahia, só deram eles, os holandeses.

Fiquemos então com a lição de português. Em só dá Brasil ou só deram os holandeses, o verbo dar não tem seu sentido normal: nem o Brasil nem a Holanda estavam dando nada a ninguém. Uma paráfrase das frases poderia ser: só aparece o Brasil; só aparecem os holandeses.
Paráfrase é equivalência semântica, não de forma. É perigoso, portanto, fazer análise sintática de uma frase pela paráfrase equivalente. No entanto, essa nos serve para entender que o verbo dar, nesse contexto, aparece como intransitivo, como um verbo que apresenta um fato, que o enuncia.
Com tais verbos, o sujeito vem normalmente posposto e que cria uma dificuldade de concordância para nós que estamos acostumados à ordem sujeito - verbo. Nas duas frases, os sujeitos são, respectivamente, Brasil e eles, com os quais o verbo dar concorda.
Assim, também diremos:
dou/dei eu.
dás/deste tu .
damos/demos nós.
dá/deu ela.